Ao instituir a natureza em pessoa jurídica, a
ecologia profunda consegue realmente, quando é
rigorosa, fazer do universo material, da biosfera ou do
cosmo, um modelo ético a ser imitado pelos homens.
Como se a ordem do mundo fosse boa em si mesma,
emanando toda a corrupção do mundo, portanto da
vaidosa e poluente espécie humana.
[...] No entanto, a sacralização da natureza é
intrinsecamente insustentável. A semelhança
daqueles fanáticos, hostis a toda intervenção médica
que eles supõem ser contrária às intervenções
divinas, os ecologistas profundos ocultam
alegremente tudo que é detestável. Desta só retêm o
que é harmonia, paz e beleza. É nessa que alguns
desclassificam facilmente a categoria dos “nocivos”,
considerando que tal noção, inteiramente
antropocentrista, é um absurdo. Inspirando-se na
teologia, eles supõem que a natureza é não só o Ser
supremo, mas também [...] a entidade perfeita que
seria sacrílego pretender modificar ou melhorar.
Uma pergunta simples, como explicar então os
vírus, as epidemias, os sismos e tudo o mais que tem,
com toda razão, o nome de catástrofe natural?
Alguém dirá que são úteis? Mas, para quê e a quem?
Alguém julgará que possuem as mesmas
legitimidades que nós para perseverar em seu ser?
Por que não, nesse caso, um direito do ciclone a
devastar, dos abalos sísmicos a engolir, dos micróbios
a inocular enfermidades? A menos que se adote uma
atitude anti-intervencionista em todos os pontos e em
todas as circunstâncias, é necessário que se resolva
admitir o fato de a natureza, como um todo, não ser
‘boa em si’, mas conter tanto o melhor quanto o pior.
Em relação a quem, perguntar-se-á? Ao homem, é
claro, que continua sendo, até prova em contrário, o
único ser suscetível de enunciar juízos de valor e de,
como diz a sabedoria das nações, separar o trigo do
joio.
(FERRY, Luc, A nova ordem ecológica, p. 173, 174)
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